A Amazônia abriga um verdadeiro “continente invisível” de biodiversidade escondido nas copas das árvores. Para descobrir quem mora no alto da floresta, pesquisadores da USP estão sequenciando o genoma de 600 mil exemplares de insetos coletados em diferentes pontos da região.
Com menos de 30% do material analisado, já foram identificadas 13,5 mil espécies distintas. Ainda restam cerca de 230 mil exemplares para serem descritos, número que deve aumentar consideravelmente a lista de espécies.
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A percepção popular ainda é equivocada e ingênua sobre a complexidade de uma floresta. “Acham que é como um bloco verde do Minecraft — inteiro, homogêneo, e igual em toda parte. Mas os números de diferentes tipos de insetos que encontramos até agora são assustadores”, afirma ao Metrópoles o professor Dalton de Souza Amorim, da faculdade de filosofia, ciências e letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP).
O desafio é que a biodiversidade de insetos — e seu desconhecimento — é tão grande que não é possível desenhar a teia completa de relações entre os insetos e suas funções dentro dos ecossistemas florestais.
As florestas evoluíram com toda a rede de interações entre plantas, vertebrados, fungos e outros invertebrados, incluindo os insetos. Há insetos coprófagos (comem fezes), micófagos (comem cogumelos), saprófagos (comem cadáveres), polinizadores, parasitóides de outros insetos, decompositores aquáticos e terrestres, predadores de outros insetos, herbívoros (comem folhas), fitosaprófagos (comem partes mortas de plantas), minadores de troncos, etc.
Coleta inédita no dossel da floresta
Grande parte da pesquisa é feita acima do solo, no dossel da floresta. Para isso, a equipe desenvolveu a chamada “cascata de armadilhas”: cinco dispositivos instalados em árvores emergentes, posicionados do nível do chão até 28 metros de altura.
“O artigo descrevendo o sistema de armadilhas está sendo publicado em uma das revistas do grupo Nature. Esse novo sistema permite que mostremos a fauna de insetos do dossel mesmo em lugares que não têm torres”, conta Amorim.
Embora grande parte da população associe insetos a baratas, mosquitos ou varejeiras, a floresta abriga uma diversidade muito mais rica: cigarrinhas, borboletas, besouros metálicos, mosquinhas de asas pintadas e abelhas sem ferrão são apenas alguns exemplos.
Os povos originários reconhecem e nomeiam essa riqueza há milhares de anos. Nas mais de 270 línguas indígenas do Brasil, há centenas de designações para diferentes tipos de insetos.
“Eles não apenas são os melhores protetores das florestas, como também são grandes conhecedores da biodiversidade, com quem devemos aprender. Estamos apenas começando”, reforçou Amorim.
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Cupim de ordem Blattodea registrado durante expedição dos projetos BioInsecta-BioDossel à Reserva Biológica ZF2 em Manaus
Tiago Carrijo2 de 4
Detalhes das armadilhas em cascata sendo içadas até a copa das árvores na Reserva Biológica ZF2 do INPA, em Manaus-AM
Reprodução / @bio_insecta3 de 4
Bicho-pau de ordem Phasmatodea registrado durante expedição à Reserva Biológica ZF2 em Manaus
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Estante com cerca de 50 mil insetos já sequenciados na USP de Ribeirão Preto
Leandro Magrini
Taxonomia integrativa: o futuro da ciência
Para lidar com a imensa diversidade, os cientistas aplicam a taxonomia integrativa, que combina dados moleculares e análises morfológicas. As informações genéticas agrupam exemplares em clusters iniciais de espécies, e os especialistas validam essas hipóteses com base em características físicas.
Segundo Amorim, apenas dados moleculares podem gerar até 50% de erro no nível de gênero, enquanto análises exclusivamente morfológicas tornam o processo muito mais lento. O método integrativo garante precisão e rapidez, sendo considerado o futuro da taxonomia em larga escala.
O BioInsecta é desenvolvido em colaboração com o INCT-BioDossel do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O projeto integra taxonomia, sequenciamento de DNA, ecologia, educação e divulgação científica, trabalhando em conjunto para o conhecimento dessa fauna gigantesca.
Enquanto o BioInsecta concentra os estudos na Reserva ZF2, ao norte de Manaus, o BioDossel atua em Iranduba, a oeste do Rio Negro, e em Careiro Castanho, ao sul do Rio Solimões, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Impacto da destruição e abrangência do estudo
Para o pesquisador, cada área desmatada ou queimada representa perdas incalculáveis. “Quando o fogo é ateado a uma área de floresta nativa, dezenas de milhares de espécies estão sendo impactadas, além das perdas de solo, água e do regime de chuvas em lugares distantes”, diz.
Os projetos atualmente investigam nas duas margens do Rio Negro e na margem sul do Rio Solimões, na altura de Manaus. A meta é expandir para regiões como Maranhão e Acre, o que permitirá compreender as diferentes “Amazônias” também sob o ponto de vista dos insetos — algo inédito na literatura científica.
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