O que leva ganhadores do Nobel a acreditarem em pseudociências?

Receber um Prêmio Nobel representa o auge da carreira de qualquer cientista. A consagração, porém, nem sempre é acompanhada apenas de reconhecimento. Em alguns casos, a fama e a autoridade que vêm com o prêmio parecem provocar um efeito curioso: vencedores passam a defender ideias sem base científica, às vezes muito distantes das áreas em que se destacaram.

Esse comportamento é tão recorrente que ganhou nome próprio — a chamada “Doença do Nobel”, ou Nobelitis. O termo descreve a tendência de certos vencedores a desenvolver e divulgar crenças pseudocientíficas depois de alcançarem o maior prêmio da ciência, indo desde o interesse por fenômenos paranormais até a negação de teorias amplamente aceitas pela comunidade científica.

Doença do Nobel leva ganhadores a divulgar e acreditar em pseudociências (Imagem: wildpixel / iStock)

Quando o prestígio leva à pseudociência

Há um número surpreendente de ganhadores do Nobel que, depois da consagração, passaram a manifestar crenças controversas fora de suas áreas de especialização.

Entre os exemplos estão cientistas que se interessaram por pesquisas psíquicas, percepção extrassensorial e até supostos contatos com entidades sobrenaturais.

Um levantamento citado no livro Critical Thinking in Psychology apresenta casos emblemáticos.

Pierre Curie, premiado pela descoberta do rádio e do polônio, acreditava que o estudo do paranormal poderia ajudar a compreender o magnetismo.

Joseph Thomson, descobridor do elétron, foi membro da Society for Psychical Research durante 34 anos.

Charles Richet, ganhador do Nobel de Medicina em 1913, cunhou o termo “ectoplasma”, acreditando que médiuns poderiam expelir substâncias misteriosas durante sessões espíritas — na prática, apenas truques com tecido e objetos manipulados.

Prêmio Nobel leva cientistas ao auge, mas prestígio pode levar a crenças que não são aceitas pela ciência (Imagem: Jeppe Gustafsson / Shutterstock.com)

Quando a “Doença do Nobel” se torna perigosa

Nem todos os casos são inofensivos. Alguns vencedores do prêmio passaram a apoiar ideias que tiveram impactos negativos na ciência e na sociedade. Richard Smalley, Nobel de Química em 1996, chegou a questionar a evolução, enquanto outros defenderam práticas eugênicas ou terapias prejudiciais relacionadas ao autismo.

Um dos episódios mais curiosos envolve Kary Mullis, vencedor do Nobel de Química em 1993. Ele expressou ceticismo em relação à mudança climática, duvidou da ligação entre o HIV e a AIDS e dizia acreditar em astrologia. Mullis também afirmou ter visto um “guaxinim verde brilhante pilotando uma motocicleta laranja neon”, que depois teria se transformado em um golfinho cantor.

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O que explica o fenômeno

Para Paul Nurse, também vencedor do Nobel, parte do problema pode estar na pressão externa. Em artigo publicado no The Independent, ele relatou que, após o prêmio, passou a ser tratado como “especialista em tudo”. Segundo ele, a fama leva muitos ganhadores a falar sobre temas fora de sua área, apenas por terem conquistado reconhecimento mundial.

“Você será inundado com pedidos para comentar sobre uma ampla variedade de assuntos, assinar cartas e petições, ou emprestar seu nome a causas, algumas nobres, outras nem tanto”, afirmou Nurse. “Mas não se deixe tentar a se afastar demais do seu conhecimento especializado.”

Excesso de confiança e traços narcisistas podem levar pesquisadores a se afastar da ciência e embarcar em falhas graves de pensamento crítico (Imagem: Viktor Aheiev / iStock)

Pesquisadores também apontam possíveis causas cognitivas. Em uma análise sobre o tema, estudiosos citaram erros de julgamento como a “ilusão de onisciência” e traços de personalidade como narcisismo e excessiva autoconfiança. Essas características, segundo o grupo, podem levar até mentes brilhantes a falhas graves de pensamento crítico — lembrando que até Isaac Newton tinha interesse em alquimia e crenças místicas.

Apesar da curiosidade em torno do fenômeno, os pesquisadores alertam que não há dados suficientes para afirmar que ganhadores do Nobel são mais propensos a pseudociências. No fim, a chamada “Doença do Nobel” não é uma condição real — mas um lembrete de que nenhuma mente, por mais premiada, está livre de se enganar.

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