A barreira hematoencefálica (BHE) é uma estrutura protetora essencial e altamente seletiva que atua como o principal sinal de segurança e guardião do nosso cérebro contra uma vasta gama de substâncias potencialmente nocivas presentes no sangue, desempenhando um papel fundamental na prevenção de doenças neurológicas.
Imagine um filtro extremamente inteligente e rigoroso, localizado nos capilares (os menores vasos sanguíneos) que irrigam o sistema nervoso central. Sua principal função é controlar meticulosamente a passagem de moléculas, íons e células do sangue para o fluido extracelular do cérebro, garantindo um ambiente estável e seguro para o funcionamento ótimo dos neurônios.
Sem esta barreira, o nosso centro de comando estaria constantemente vulnerável a toxinas, patógenos e flutuações hormonais que poderiam comprometer seriamente a sua integridade e o seu desempenho.
O que é a barreira hematoencefálica e para que ela serve?
O que é e como é formada?
A barreira hematoencefálica não é uma barreira física única, mas sim um complexo sistema composto por várias células especializadas que trabalham em conjunto. A sua base estrutural reside nas células endoteliais que revestem o interior de todos os capilares cerebrais.
No entanto, ao contrário dos vasos sanguíneos de outras partes do corpo, onde as células endoteliais têm espaços entre si, aqui elas estão firmemente unidas por estruturas conhecidas como “junções estreitas” (tight junctions). Estas junções funcionam como um velcro biológico de alta segurança, impedindo a passagem livre de substâncias por entre as células.
Além das células endoteliais, a BHE conta com o suporte fundamental de outros dois tipos celulares:
Astrócitos: estas células nervosas em forma de estrela envolvem os capilares com seus prolongamentos, formando uma segunda camada de proteção e ajudando a regular o fluxo sanguíneo e a função da barreira.
Pericitos: células localizadas na parede externa dos capilares que são essenciais para o desenvolvimento, manutenção e reparo da barreira.
Esta estrutura complexa começa a se formar durante o desenvolvimento fetal e amadurece completamente após o nascimento, estabelecendo um ambiente protegido para o cérebro em crescimento.
Para que serve e como protege o cérebro?
A principal missão da barreira hematoencefálica é manter a homeostase do cérebro, ou seja, o seu equilíbrio químico e elétrico interno, criando uma defesa fundamental contra o desenvolvimento de doenças.
O cérebro é um órgão de extrema precisão, onde até mesmo pequenas alterações na concentração de íons ou na presença de neurotransmissores podem desencadear convulsões ou outros distúrbios neurológicos.
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A sua proteção é exercida de duas formas principais:
Impedindo a passagem de substâncias nocivas: a BHE bloqueia ativamente a entrada de toxinas, patógenos (como bactérias e vírus), hormônios do estresse e a maioria dos medicamentos. Esta é a sua função de “porteiro” restritiva.
Permitindo a passagem seletiva de nutrientes: simultaneamente, a barreira é dotada de “portões” e “transportadores” especializados que permitem a entrada controlada de nutrientes vitais, como glicose, aminoácidos e oxigênio, que são indispensáveis para a produção de energia e o funcionamento dos neurônios.
De quais doenças a barreira hematoencefálica protege o cérebro?
A integridade da barreira hematoencefálica é uma linha de defesa fundamental contra várias condições:
Infecções: meningite e encefalite são exemplos de doenças em que patógenos conseguem, por vezes, ultrapassar a BHE, causando inflamação no cérebro ou nas meninges. Uma barreira íntegra é a primeira defesa contra essas invasões.
Doenças neurodegenerativas: evidências científicas sugerem que um comprometimento da BHE pode estar envolvido no desenvolvimento ou na progressão de doenças como o Alzheimer e o Parkinson. Uma barreira “vazada” pode permitir a entrada de toxinas ou a acumulação anormal de proteínas, como a beta-amiloide, no tecido cerebral.
Esclerose múltipla: esta é uma doença que apresenta uma dupla natureza. O estágio inicial é predominantemente autoimune, no qual as células de defesa do organismo conseguem atravessar a barreira e atacar a bainha de mielina que recobre os neurônios. No entanto, com a progressão da doença, ocorre a degeneração dos axônios (a parte do neurônio que conduz o impulso nervoso), caracterizando a fase neurodegenerativa. A falha da BHE em conter o ataque imunológico é, portanto, um passo crucial que desencadeia todo o processo. Para entender mais sobre todo esse processo, consulte o site da National Library of Medicine.
Acidentes Vasculares Cerebrais (AVC): durante um AVC, a falta de oxigênio leva ao comprometimento da barreira, resultando em edema cerebral (inchaço) e agravando os danos neurológicos. Saiba mais aqui.
É possível fortalecer a barreira hematoencefálica?
Esta é uma área de intensa investigação. Não existe um “suplemento” ou exercício específico que fortaleça diretamente a BHE de forma comprovada. No entanto, um estilo de vida saudável está indiretamente associado à sua manutenção:
Controle da pressão arterial: a hipertensão crônica pode danificar os vasos sanguíneos, incluindo os do cérebro, enfraquecendo a barreira.
Alimentação saudável e exercício físico: uma dieta rica em antioxidantes e a prática regular de exercício promovem a saúde vascular geral, o que beneficia a integridade da BHE.
Sono de qualidade: o sono é fundamental para a “limpeza” do cérebro, um processo que envolve a barreira hematoencefálica e a remoção de toxinas acumuladas durante o dia.
Evitar o álcool e drogas: o consumo excessivo de álcool e o uso de substâncias ilícitas podem comprometer a função da barreira.
Sinais de que a barreira hematoencefálica foi comprometida
Não existem sintomas diretos e óbvios de que a barreira está “vazada”. Contudo, o seu comprometimento está frequentemente associado ao aparecimento ou agravamento de condições neurológicas.
Sintomas como confusão mental, dores de cabeça persistentes, convulsões, fraqueza muscular súbita ou défices cognitivos podem ser indicativos de uma patologia subjacente que envolve a disfunção da BHE. Qualquer suspeita deve ser imediatamente avaliada por um médico neurologista.
Portanto, a barreira hematoencefálica é uma maravilha da engenharia biológica, um escudo protetor dinâmico e inteligente sem o qual o nosso cérebro estaria à mercê de um ambiente hostil. A sua compreensão é não apenas fascinante, mas também fundamental para o desenvolvimento de novos tratamentos que possam, por exemplo, atravessá-la de forma controlada para levar medicamentos ao cérebro ou, pelo contrário, reforçá-la para travar o avanço de doenças neurodegenerativas.
Fontes: National Institutes of Health (NIH); Society for Neuroscience (SfN); Biblioteca Virtual em Saúde (BVS – Brasil); Revista Science e Revista Nature.
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