Em 2022, durante um campeonato escolar de futebol, o então estudante do ensino médio Guilherme Bonard Rodrigues, hoje com 21 anos, precisou deixar o campo depois de quase desmaiar. O episódio, que parecia apenas cansaço típico de vestibulando, foi o ponto de partida para a identificação de uma doença rara no sangue, a hemoglobinúria paroxística noturna (HPN).
Naquele período, Guilherme, que tinha 18 anos, já vinha dormindo mais que o normal e sentindo um desgaste que atribuía à rotina intensa de estudos.
A família, porém, percebeu que havia algo errado. “Minha mãe percebeu que eu estava demorando muito para almoçar, fazia pausas por conta da fadiga intensa, já relacionada à doença”, conta. Pouco depois do campeonato, exames começaram a apontar alterações que levaram ao diagnóstico.
Sintomas difíceis de reconhecer
A HPN é uma doença rara que destrói glóbulos vermelhos de forma anormal, levando a cansaço extremo, dores e risco elevado de trombose.
Segundo o hematologista Rodolfo Cançado, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e membro da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), os sintomas podem facilmente ser confundidos com outras condições.
“Entre os principais sinais estão urina escura pela manhã, fadiga intensa, tontura, falta de ar, dor abdominal ou torácica e episódios de trombose”, explica. Ele aponta que o diagnóstico costuma ser tardio justamente porque poucos profissionais reconhecem o padrão da doença.
Impacto no dia a dia e riscos da doença
No caso de Guilherme, os efeitos foram rápidos. Apaixonado por esportes, o jovem passou a se sentir exausto ao subir poucos degraus.
“Em poucos minutos de exercícios, eu já ficava cansado. Tinha que fazer muita força para realizar movimentos que antes eram comuns. De atacante, passei a goleiro”, lembra.
O período coincidiu com a reta final do vestibular, quando sua dificuldade de concentração aumentou. “Minha memória era muito afetada. Lia uma linha e não lembrava do que se tratava”, relata.
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O hematologista explica que, sem o tratamento adequado, a mortalidade da HPN pode chegar a 35% em cinco anos. “Os coágulos formados podem causar falência hepática, AVC, embolia pulmonar ou insuficiência múltipla de órgãos”, afirma. O especialista destaca ainda que pacientes podem ter anemias graves, infecções e hemorragias.
O diagnóstico de Guilherme veio relativamente rápido porque ele já tinha histórico de aplasia de medula, outra condição rara que pode aparecer associada. Foram cerca de quatro a cinco meses até a confirmação.
Mesmo com limitações físicas, ele tentava manter a rotina esportiva. A insistência, porém, trazia um peso emocional, já que atividades simples passaram a parecer inalcançáveis.
Novo tratamento
A fase mais difícil ocorreu em 2024. “Eu estava me conformando que aquela seria minha vida para sempre e que estaria preso por conta do tratamento”, diz. Morador da cidade de Resende, eram necessárias longas viagens ao Rio para receber a medicação, que envolviam acordar às cinco da manhã, horas de estrada, infusão no hospital e o retorno exaustivo.
Foi nesse período que surgiu uma nova opção terapêutica, administrada mensalmente por injeção e sem necessidade de deslocamento para a capital. A mudança, segundo ele, mudou sua rotina. “Voltei a praticar esportes com um gás que eu não lembro de ter tido. Comecei a estudar de um jeito que achei que nunca conseguiria”, conta.
Do ponto de vista médico, essa evolução do tratamento representa um avanço importante. “Os avanços recentes mudaram a história natural da HPN. Saímos de uma condição frequentemente fatal para uma doença crônica controlável, com melhora expressiva da sobrevida e da qualidade de vida”, explica Rodolfo.
Guilherme (ao centro) com dois amigos da faculdade de medicina
O médico reforça que reconhecer precocemente os sinais depende de uma ação conjunta. “O diagnóstico precoce é uma responsabilidade compartilhada entre a sociedade, os profissionais de saúde e o sistema público, para que os pacientes tenham acesso ao tratamento certo no tempo certo”, destaca.
A melhora física e emocional também influenciou a escolha profissional de Guilherme. Ao longo do tratamento, ele decidiu tentar uma vaga em medicina, inspirado pelos especialistas que o acompanharam.
Hoje, mora sozinho em Valença, também no RJ, e está no segundo período do curso. Ainda não sabe qual área seguirá, mas admite que doenças raras chamam sua atenção. “Tive a sorte de ser tratado em um grande centro e por médicos competentes. Isso fez diferença no desfecho da minha doença”, finaliza.
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