O beijo é mais antigo do que se pensava – e começou antes dos humanos, diz estudo

Um estudo, publicado nesta quarta-feira (19), reconstruiu a história evolutiva do beijo. A conclusão: esse comportamento surgiu no ancestral comum dos grandes símios (grupo que inclui humanos, chimpanzés, orangotangos e gorilas) entre 21,5 e 16,9 milhões de anos atrás. A pesquisa indica que o beijo é um traço antigo, mantido ao longo da linhagem dos hominídeos.

Essa é a primeira tentativa de investigar a evolução do beijo por meio de métodos filogenéticos comparativos. E os resultados sugerem que o gesto não é “invenção humana”. 

O trabalho aponta que Neandertais provavelmente se beijavam e possivelmente beijavam humanos modernos também. Isso reforça o enigma por trás do comportamento.

Por que? Para começar, ele não parece oferecer benefícios claros à sobrevivência. E ainda envolve alto risco de transmissão de micróbios. É um verdadeiro quebra-cabeça evolutivo.

Cientistas definem o beijo sem olhar apenas para humanos

Para investigar a origem do beijo, os pesquisadores precisaram começar pelo básico: o que, exatamente, é um beijo? 

Pesquisa explorou uma definição de beijo que não era centrada em humanos (Imagem: ORION PRODUCTION/Shutterstock)

Para evitar uma definição centrada em humanos, eles propõem que o beijo seja uma “interação não agonística com contato oral-oral, intraespecífica, direcionada, com algum movimento dos lábios ou partes da boca e sem transferência de alimento”.

Traduzindo: um beijo, nesse sentido, é um contato boca-a-boca entre indivíduos da mesma espécie, com intenção clara de interação social (e não de briga), que envolve movimento dos lábios, mas não serve para passar comida ou disputar algo.

Assim, o gesto é analisado como comportamento animal, não como expressão cultural exclusivamente humana. 

Essa definição ajuda a separar o beijo de outros contatos boca-a-boca. Ficam de fora comportamentos como:

Premastigação (quando um indivíduo passa alimento já mastigado para outro);

Trofalaxia (transferência de comida ou fluidos pela boca ou região anal);

“Luta de beijos” (observada em algumas espécies de peixes, que envolve agressão). 

A ideia foi isolar o gesto que realmente envolve interação social ou afiliativa, sem função alimentar ou competitiva. 

Sob essa lente, o beijo aparece como um comportamento muito mais distribuído na natureza. Ele existe em mamíferos como lobos e ursos polares, aparece em aves como os albatrozes de Galápagos e até em insetos, como algumas espécies de formigas. 

Ainda assim, a maior parte dos registros está nos primatas, especialmente entre os grandes símios, entre os quais o beijo é mais frequente. Exceto num caso intrigante: os gorilas orientais, únicos hominídeos conhecidos que não apresentam esse comportamento.  

Árvore genealógica de primatas revela quando o beijo surgiu

Com o conceito padronizado, o estudo aplicou ferramentas de reconstrução filogenética para mapear quais espécies beijam e quando esse comportamento pode ter aparecido na linhagem dos primatas. 

Estudo investigou quando o beijo, enquanto comportamento, pode ter aparecido na linhagem dos primatas (Imagem: David Evison/Shutterstock)

A análise indica que o beijo evoluiu uma única vez no ancestral comum dos grandes símios e foi mantido pelos grupos que vieram depois. Esse padrão caracteriza o gesto como um traço antigo e conservado no grupo dos hominídeos. 

O trabalho também revela nuances entre os primatas afro-eurasiáticos. Embora o beijo seja observado em várias espécies de macacos, especialmente nas tribos Macacina e Papionina, ele não estava presente nos ancestrais desses grupos. Isso sugere que teria surgido independentemente até sete vezes

Em contrapartida, nos grandes símios o comportamento parece ter sido herdado, com apenas um provável caso de perda: os gorilas orientais, que não fazem o gesto. 

Os modelos bayesianos usados pelos pesquisadores foram além e estimaram a probabilidade de o beijo também ter existido em espécies extintas. 

O resultado aponta que Neandertais provavelmente se beijavam. A hipótese ganha força porque humanos e Neandertais compartilhavam o mesmo microbioma oral, o que indica contato íntimo prolongado (possivelmente fruto de interações sociais e sexuais, incluindo o beijo).  

O que o beijo pode ter ‘ganhado’ na evolução

Se o beijo não é universal entre espécies e ainda envolve riscos de transmissão de micróbios, por que ele persistiu ao longo da evolução? 

Outra hipótese levanta que o beijo é uma troca aparentemente arriscada, mas evolutivamente vantajosa em longo prazo (Imagem: David laming/Shutterstock)

O estudo sugere que as possíveis funções dependem do tipo de beijo. Em contextos sexuais, ele pode influenciar o sucesso reprodutivo antes e depois do acasalamento. 

O contato boca-a-boca permite avaliar sinais olfativos ligados à saúde, à aptidão genética, ao microbioma oral e até à fase do ciclo menstrual, além de potencialmente aumentar a excitação pré-copulatória, o que favoreceria a fertilização. 

Já em contextos sociais e afiliativos, o beijo pode servir para fortalecer laços e mitigar conflitos, principalmente em espécies altamente sociais. Em chimpanzés, por exemplo, o gesto é usado como forma de reconciliação

Outra hipótese levanta que o beijo possa funcionar como mecanismo de transmissão de micróbios benéficos, o que fortalece a imunidade. Ou seja, é uma troca aparentemente arriscada, mas evolutivamente vantajosa em longo prazo. 

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Há ainda indícios também de que o beijo esteja correlacionado a fatores ecológicos e sociais, como dietas não folívoras, sistemas de acasalamento com múltiplos machos e a prática da premastigação, quando a mãe passa alimento mastigado ao filhote. A semelhança comportamental levanta a hipótese de que o beijo tenha sido reaproveitado a partir desse gesto alimentar. 

Mesmo entre humanos, ele não é universal. O comportamento está documentado em apenas 46% das culturas, o que reforça a dúvida sobre suas origens. Teria o beijo surgido como adaptação evolutiva ou pode ser, em algumas linhagens, uma prática cultural aprendida? A resposta pode estar entre a biologia e a cultura.

(Essa matéria usou informações do estudo, publicado no periódico Evolution and Human Behavior; e da Universidade de Oxford.)

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