Para quem sente a ansiedade no corpo, seja na respiração acelerada, na mente inquieta ou na dificuldade de relaxar, correr pode parecer, à primeira vista, mais um desafio do que um alívio. Mas, conforme o corpo engrena nos minutos iniciais, uma série de processos começam a acontecer por dentro e ajudam a explicar por que a corrida é considerada uma das atividades mais eficientes para regular o humor.
A ciência já analisou essa relação em diferentes pesquisas, incluindo uma revisão que avaliou mais de cem estudos publicados ao longo de cinco décadas. O padrão encontrado foi claro: sessões de corrida, mesmo curtas, estão associadas a melhora do humor, redução do estresse e diminuição dos sintomas de ansiedade.
O que acontece no cérebro enquanto você corre
A resposta emocional da corrida não depende só do esforço físico. Ela começa no cérebro, que libera diversas substâncias responsáveis por modular a dor, prazer, motivação e equilíbrio emocional. Uma das primeiras é a beta-endorfina, que age como um sinal para que o corpo libere dopamina.
Marco Túlio de Mello, professor da UFMG, explica que “a beta-endorfina atua principalmente na redução da dor, ajudando a diminuir impactos negativos, como microlesões que podem ocorrer durante o exercício. Mas muitas pessoas acreditam que a sensação de prazer vem diretamente dela. Na verdade, ela funciona como um gatilho para a liberação de dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de prazer e satisfação”.
A dopamina, por sua vez, gera o efeito recompensador que muitos corredores descrevem depois de alguns minutos de atividade. Quanto mais familiaridade com o exercício, mais intensa costuma ser essa resposta.
Como a corrida regula hormônios relacionados ao estresse
Além da dopamina, o esforço contínuo ativa a liberação de serotonina e noradrenalina, neurotransmissores que influenciam foco, humor e disposição. Ricardo Arida, professor da Unifesp, explica que “esses neurotransmissores regulam o funcionamento do sistema nervoso. Em pessoas com ansiedade ou depressão, eles estão alterados, o exercício ajuda a modulá-los e a melhorar os sintomas”.
Essa regulação ajuda a reduzir sinais típicos da ansiedade, como tensão interna, inquietação e dificuldade de concentração. É um ajuste natural, que acontece tanto em corridas leves quanto em treinos mais longos.
Além da ação no cérebro, outros sistemas do corpo entram em cena. O sistema opioide, que libera endorfinas, diminui a percepção de dor e influencia a sensação de conforto. Já o sistema endocanabinoide, responsável por processos ligados ao humor, apetite e estresse, também é ativado durante a corrida, favorecendo calma e relaxamento.
Essa combinação explica por que atividades aeróbicas de baixa a moderada intensidade, especialmente as de maior duração, tendem a ser tão eficazes no controle do estresse e na diminuição do cortisol.
Comece, é mais fácil do que parece!
A corrida se destaca entre os exercícios por não exigir equipamentos sofisticados nem técnica complexa. A psicóloga do esporte Anna Vitória Renaux, da Confederação Brasileira de Atletismo, ressalta a naturalidade do movimento. “É um esporte pouco técnico. Diferente da natação, em que é preciso aprender a respirar e coordenar os movimentos, ou do tênis, por exemplo, que exige fundamentos e prática, correr é algo natural e instintivo”.
Essa característica faz com que o progresso seja perceptível logo nas primeiras semanas, o que fortalece a motivação. “Basta uma roupa confortável, um tênis e um espaço livre. Não tem ganhador ou perdedor. Se você corre sozinha, sempre sai ganhando. Ontem foram 20 minutos, depois de alguns dias já consegue 30… Essa sensação de evolução e autoeficácia é extremamente positiva para a saúde mental”.
Saúde mental
Além dos efeitos químicos, existe o impacto psicológico da prática. Correr envolve decisões, persistência e tolerância ao desconforto, habilidades que ajudam a lidar com momentos de ansiedade. Definir metas pequenas e alcançáveis cria a sensação de controle, o que é essencial para quem convive com sintomas ansiosos.
Renaux observa que “quando a pessoa define objetivos alcançáveis, ela vive o processo e não apenas o resultado. Correr com amigos, com o parceiro, com o cachorro… tudo isso é sobre a experiência”. Esse envolvimento emocional ajuda a atravessar as fases mais difíceis do início e reforça a sensação de competência.
Os treinos em grupo também ampliam os benefícios. Arida explica que “a socialização com outras pessoas, em grupos de corrida, academias ou treinos coletivos, ajuda a reduzir ainda mais os sintomas de ansiedade e depressão”. A presença de outras pessoas aumenta o compromisso, favorece a adesão e cria um ambiente de apoio emocional.
Como usar a corrida de forma equilibrada
Apesar dos muitos benefícios, o exercício deve se encaixar na rotina de forma sustentável. A corrida deixa de ser saudável quando consome todo o tempo disponível, prejudica o sono ou ocupa o espaço destinado ao descanso e à convivência.
As diretrizes do Colégio Americano de Medicina do Esporte sugerem 150 minutos semanais de atividade moderada ou vigorosa, divididos ao longo dos dias. A constância é mais importante que a intensidade. Para quem não gosta de correr, outras atividades têm impacto semelhante. Como resume Arida, “o melhor exercício é aquele que você gosta de fazer”.
Resumo:
A corrida combate a ansiedade ao ativar sistemas químicos e hormonais que equilibram humor, reduzem o estresse e aumentam a sensação de prazer. Além das mudanças no cérebro, o exercício fortalece a autoconfiança, resiliência e foco. A prática constante, mesmo em treinos curtos, contribui para estabilidade emocional e bem-estar.
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