Um artigo publicado neste sábado (22) na Nature Communications descreve uma vacina oral que usa bactérias probióticas para estimular o sistema imunológico a combater tumores. O método combina microrganismos geneticamente modificados com nanopartículas de ferritina que exibem dois antígenos tumorais, e já apresentou resultados positivos em modelos pré-clínicos de melanoma.
A estratégia é engenhosa: a bactéria probiótica é programada para se “autodestruir” dentro do intestino quando estimulada por arabinose, liberando partículas de ferritina cheias de antígenos. Essas nanopartículas conseguem atravessar a barreira intestinal por meio de células especiais chamadas M-cells, alcançando células do sistema imune local.
Ao chegar lá, elas ativam células dendríticas mucosas, que iniciam uma reação imune forte e bem direcionada — com participação de células T (CD8+ e CD4+), células B e macrófagos. Além disso, o sistema gera memória imunológica, o que sugere proteção a longo prazo, tudo isso sem desequilibrar a imunidade normal do organismo ou do intestino.
Como a nova vacina oral contra o câncer funciona?
A vacina usa uma bactéria probiótica modificada para produzir nanopartículas de ferritina decoradas com dois antígenos tumorais: OVA (um antígeno modelo) e TRP2 (associado ao melanoma). Essas nanopartículas são organizadas de forma multivalente, o que significa que muitos antígenos ficam expostos em uma só partícula — isso ajuda o sistema imune a reconhecê-los melhor.
Quando o probiótico chega ao intestino, a arabinose induz sua lise (ruptura), liberando as partículas. Então, as nanopartículas usam células M para cruzar para o interior do tecido imunológico intestinal, onde são captadas por células dendríticas que iniciam a resposta adaptativa.
Resultados obtidos em modelos animais
Nos experimentos com camundongos portando melanoma, os pesquisadores observaram:
Ativação forte de linfócitos T CD8+ e CD4+, células cruciais para atacar células tumorais.
Estímulo de células B e macrófagos, reforçando a resposta imunológica de forma mais ampla.
Diminuição de células T reguladoras (Tregs), que normalmente poderiam frear a resposta imune — algo positivo para efeitos antitumorais.
Indução de memória imunológica duradoura, indicando que o sistema pode “lembrar” dos antígenos e manter a proteção.
Em modelos de melanoma com metástase pulmonar ou tumores subcutâneos, os animais vacinados tiveram redução no crescimento tumoral.
Tudo isso foi conseguido sem provocar desequilíbrios imunológicos no organismo ou no intestino, segundo os autores.
Vantagens da abordagem para humanos
A vacina oral traz diversas vantagens: por ser administrada via bucal, dispensa agulhas. A lise bacteriana controlada permite que os antígenos sejam liberados exatamente onde são mais eficazes — no intestino.
A estrutura multivalente das nanopartículas de ferritina reforça a apresentação de antígenos, aumentando a potência imunogênica. Além disso, a indução de memória imunológica sugere que a vacina pode exercer efeitos terapêuticos duradouros.
Desafios para avançar para clínica
Apesar dos resultados promissores, a transição para uso clínico ainda enfrenta obstáculos. A lise bacteriana precisa ser muito bem calibrada para evitar inflamação ou efeitos adversos. Há ainda a necessidade de escalar a produção dessa cepa modificada e das nanopartículas com rigor de qualidade farmacêutica.
Também existe uma forte barreira regulatória: terapias baseadas em microrganismos vivos demandam avaliação complexa para serem aprovadas. Por fim, os modelos em camundongos nem sempre se traduzem diretamente para humanos, o que exige mais estudos antes de qualquer aplicação clínica.
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Importância científica
O trabalho se insere numa tendência promissora da biomedicina moderna: usar microrganismos vivos como “ferramentas terapêuticas” (às vezes chamados de “drogas vivas”). Essas terapias aproveitam a capacidade natural das bactérias de interagir com o sistema imunológico para entregar antígenos de forma controlada.
Usar nanopartículas de ferritina para organizar os antígenos de maneira multivalente é especialmente inteligente, porque aumenta a “visibilidade” desses antígenos para as células imunes, potencializando a resposta sem precisar de adjuvantes muito agressivos.
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