Criatividade em disputa: o que muda com 50% dos textos da web gerados por algoritmos

Há poucos dias, publicamos um artigo dizendo que a IA generativa imita criatividade, mas não substitui talento humano. Só que há um detalhe incômodo nessa discussão: mais da metade dos artigos publicados todos os dias na internet já é produzida por máquinas.

O alerta aparece em um estudo da Graphite, que analisou milhares de textos e expôs algo que muita gente suspeitava, mas poucos admitiam: a fronteira entre escrita humana e automatizada ficou praticamente invisível.

A constatação reacende debates sobre criatividade, autenticidade e, claro, o futuro do trabalho – especialmente num momento em que a produção digital cresce em ritmo que nenhum redator consegue acompanhar.

Máquinas já redigem a maior parte dos textos publicados diariamente na internet. Imagem: Iuliia Bishop/Shutterstock

O que significa ter 50% da web escrita por IA

Segundo o levantamento, entre os mais de 65 mil artigos avaliados, boa parte dos classificados como produzidos por IA seguia formatos fáceis de reconhecer: listas de dicas, notícias rápidas, tutoriais, e conteúdo promocional.

São textos que, por natureza, buscam informar ou persuadir de maneira direta, sem grande espaço para estilo ou originalidade.

Como uma pessoa pode competir com um sistema treinado com milhões de vozes que consegue produzir um texto a uma velocidade incrível?

Francesco Agnellini, Professor de Estudos Digitais e de Dados na Universidade de Binghamton, em artigo no The Conversation.

Para muitos criadores (especialmente freelancers que escrevem para blogs, redes sociais e SEO) essa mudança se traduz em perda real de espaço e renda. Já para pesquisadores e analistas culturais, o debate é mais profundo. Como destaca Agnellini, novas tecnologias sempre vêm acompanhadas de uma onda de ansiedade coletiva.

O estudo aponta que esses textos tendem a ser:

escritos rapidamente e com baixo risco;

baseados em formatos repetitivos;

focados em objetivos funcionais, não criativos;

fácil substituição por automação;

pouco associados a uma “voz” ou estilo pessoal.

Deepfakes e textos artificiais geram temor, mas também expõem padrões de consumo, poder e comportamento. Imagem: Wright Studio/Shutterstock

Autenticidade ainda importa?

Agnellini lembra que Humberto Eco criticava tanto o pessimismo apocalíptico quanto o otimismo ingênuo diante de novas tecnologias. Para ele, o mais importante é observar como elas são usadas, e o que revelam sobre a sociedade.

O mesmo vale agora. Deepfakes e textos artificiais alimentam temores legítimos, mas também ajudam a revelar padrões de consumo, de poder e de comportamento.

Um exemplo: estudos mostram que o impacto dos deepfakes nas eleições de 2024 nos Estados Unidos foi menor do que se previa. Eles aumentaram a desconfiança e a polarização, mas não mudaram resultados. Ainda assim, reforçaram a preocupação com a facilidade de manipular conteúdos que parecem reais.

O uso de modelos de linguagem já faz parte da rotina, ajudando em clareza, estilo e revisão de textos. Imagem: africa_pink/Shutterstock

Quando humanos e IA escrevem juntos

Agnellini também chama atenção para um fenômeno que já virou rotina: textos híbridos. Cada vez mais gente combina ideias próprias com sugestões de modelos de linguagem – desde revisões de clareza até ajustes sutis de estilo.

Um escritor pode rascunhar algumas linhas, deixar uma IA expandi-las e, em seguida, reformular esse resultado para o texto final.

Francesco Agnellini, Professor de Estudos Digitais e de Dados na Universidade de Binghamton, em artigo no The Conversation.

Só que esse hábito tem efeitos colaterais. Pesquisas indicam que a IA pode dar a sensação de criatividade, mas, ao mesmo tempo, reduzir a variedade. Estilos passam a convergir e, não raro, escritores de culturas diferentes adotam padrões de escrita mais “ocidentais”, mesmo sem intenção.

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No fim, mesmo com a IA avançando e ocupando espaço na produção textual, um consenso parece emergir: textos com voz própria, intenção clara e personalidade tendem a valer mais.

Se a internet está cheia de padrões e repetições, tudo o que escapa do lugar-comum brilha, e isso ainda nasce do humano, como conclui Agnellini.

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