Após a trágica morte do adolescente Gerson de Melo Machado, de 19 anos, no domingo (30/11), depois de ser atacado por uma leoa em João Pessoa (PB), vários comentários nas redes sociais associaram a fêmea a um dos mais perigosos da natureza.
O caso, no entanto, ilustra bem como os predadores agem contra humanos: os animais selvagens, na maior parte das vezes, apenas não querem ter seu território ameaçado.
“Muitos destes animais são extremamente territorialistas, agressivos e se sentem ameaçados por nossa presença. Eles atacam para defender território, filhotes ou quando são surpreendidos ou vulneráveis. Em muitos países também ocorre a degradação de seus habitats, o que os força a entrar em contato mais frequente com áreas humanas em busca de comida e água”, destaca a bióloga Vanessa Ferreira.
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Ataques são raros e diminuem com urbanização
Os casos de ataques de predadores selvagens de grande porte, na realidade, são muito mais incomuns do que se possa imaginar. Um levantamento global publicado na revista PLOS Biology, que analisou 5.440 ataques de grandes carnívoros entre 1950 e 2019, revela que o risco de fatalidades, na realidade, estava associado à pobreza como condições precárias de moradia e residência dentro do território dos animais.
Apenas um terço dos grandes predadores pesquisados matavam suas vítimas, indicando que o comportamento não é de caça. Do total analisado, tigres e leões foram responsáveis por 65% das mortes, canídeos por 49% e ursos por 9%.
O estudo mostra que, enquanto a Índia registrou média anual de 34 mortes causadas por grandes felinos entre 2015 e 2018, os Estados Unidos contabilizaram apenas nove ataques fatais de pumas entre 1980 e 2018, um indicativo de que evitar o contato já é defesa o bastante.
Segundo a bióloga Marília Gabriela Leite, especialista em animais silvestres do Parque da Bica — local em que um jovem morreu —, o que ocorreu em João Pessoa se relaciona ao comportamento natural de um predador.
“O ataque segue o padrão instintivo da espécie. A entrada de uma pessoa no recinto equivale, para a leoa, à presença de uma presa ou ameaça. Ela fez apenas o que uma leoa faz, ela nunca será a vilã”, afirma Marília.
Para mostrar como os episódios são raros e que a vida selvagem não é tão assassina como costumamos imaginar, o Metrópoles preparou uma lista dos oito animais de grande porte que mais matam humanos, excluindo, claro, outros humanos, que lideram a lista com folga. Os números surpreendem: os tubarões, por exemplo, matam incomparavelmente mais nos filmes que fazem sobre eles do que na vida real. Confira:
A cobra marrom oriental é uma das mais perigosas da Austrália
Cobras (aproximadamente 50 mil mortes)
As cobras encabeçam a lista por causa das serpentes venenosas, presentes no cotidiano de muitas populações. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima entre 81 mil e 138 mil mortes anuais por picadas, embora a subnotificação indique números ainda maiores. No Brasil, dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde apontam para mais de 29 mil casos de ataque e 94 mortes apenas em 2022.
A maioria das vítimas vive em regiões rurais de países em desenvolvimento, distantes de atendimento médico e acesso imediato a antídotos e soros. Entre todas as espécies, a víbora-de-escamas-serrilhadas (Echis carinatus) é considerada a mais perigosa. Apesar de a picada não tratada matar apenas cerca de 10% das vítimas, a agressividade do animal faz com que provoque mais mortes do que todas as outras serpentes somadas. As oito espécies do grupo se distribuem ao norte do Equador, em áreas da África, Arábia, sudoeste da Ásia, Índia e Sri Lanka.
Cães (aproximadamente 25 mil mortes)
Apesar de ser o melhor amigo do homem, o cachorro ocupa o segundo lugar da lista de grande predador, sobretudo pela raiva transmitida por animais infectados. Estima-se que seus ataques causem cerca de 25 mil mortes ao ano. Embora alguns óbitos resultem de ataques diretos, especialmente de raças de grande porte, a maioria ocorre pela doença transmitida pelo animal. O pouco acesso à vacinação e tratamento, além de baixas políticas de castração de animais de rua em países em desenvolvimento, acabam tornando o cenário todo muito mais perigoso aos humanos.
Crocodilos (aproximadamente mil mortes)
Crocodilos são os predadores de topo da cadeia alimentar mais perigosos para humanos, causando cerca de mil mortes por ano, especialmente no continente africano. Esses grandes carnívoros vivem em regiões tropicais da África, Ásia, Austrália e Américas. Suas capacidades de ataque são violentas e muitos incidentes acontecem em áreas remotas, o que sugere que o número real de mortes possa ser maior que o estimado. Os crocodilos são extremamente territorialistas e como são difíceis de se observar na água, podem levar a botes inesperados.
Hipopótamos possuem uma mordida extremamente potente
Hipopótamo (500 mortes)
Apesar de parecer fofinho, o hipopótamo é um dos maiores predadores da África, causando tantas ou mais mortes anuais no continente do que os crocodilos. Mesmo com uma extensão territorial bem menor, os hipopótamos provocam cerca de 500 mortes por ano. Além de possuírem uma mordida poderosa, eles podem esmagar uma pessoa com suas quase três toneladas e se locomovem muito rapidamente tanto na água quanto em terra. Conhecidos pelo comportamento agressivo e territorialista, representam ameaça significativa a quem invade ou se aproxima de seu espaço.
Cavalos (500 mortes)
É difícil estimar quantas pessoas morrem por acidentes com cavalos no mundo, devido à intensa relação de humanos com estes animais. Acredita-se que nos Estados Unidos sejam cerca de 40 mortes anuais e que o número de acidentes fique em 500 globalmente. Em um levantamento feito na Austrália entre 2000 e 2013, os cavalos foram responsáveis pela morte de 74 pessoas que caíram ou foram pisoteadas pelo animal. As mortes acontecem em acidentes durante montarias e outras atividades equestres. Em comparação com o número de praticantes de atividades relacionadas ao hipismo, porém, o risco de morte é muito pequeno.
Elefante africano macho (Loxodonta africana) na Reserva Nacional de Samburu, Quênia
Elefante (400 mortes)
O elefante, apesar de não ser um animal carnívoro, é responsável por média de 460 mortes por ano apenas na Índia. Dados do Ministério do Meio Ambiente do país asiático registraram 2,3 mil vítimas entre 2014 e 2019. Não há números globais consolidados, mas os incidentes geralmente envolvem disputa por território à medida que áreas naturais que eles usavam para suas sociedades começam a ser ameaçadas por ocupações humanas.
Leão (100 mortes)
Embora não existam dados globais oficiais, estimativas regionais sugerem que leões provocam cerca de 100 mortes por ano. Segundo a Enciclopédia Britannica, 871 pessoas foram atacadas por leões entre 1990 e 2005 apenas na Tanzânia, país que registra a maior média anual de mortes pelo “rei da selva” — humildes 22. Uma das séries de ataques mais assustadoras ocorreu no Quênia, em 1898, quando dois leões mataram dezenas de trabalhadores ferroviários antes de serem abatidos.
Bovinos (100 mortes)
O número exato de pessoas mortas por touros e bois anualmente varia globalmente, mas estatísticas dos Estados Unidos e do Reino Unido fornecem estimativas de que podem ser até mais que uma centena ao ano. Só nos EUA, em média, são 20 trabalhadores ao ano que morrem devido a ataques de bovinos (incluindo touros, bois e vacas), geralmente por pisoteamento ou chifradas. A maioria dessas fatalidades ocorre em fazendas e envolve trabalhadores rurais. A queda da popularidade de atividades como touradas também tem diminuído este número.
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