Como diz o ditado, mal chegou e já sentou na janela. Uma espécie de molusco, o mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei), saiu de seu ambiente natural na Ásia para nadar de braçada no Brasil. Dominando ecossistemas importantes, como o do Rio Tocantins, ele se tornou uma das principais ameaças invasoras à biodiversidade da Amazônia.
A presença do molusco no rio Tocantins foi registrada pela primeira vez em agosto de 2023 em um município do interior do estado do Pará. Desde então, ele está se espalhando pelas águas amazônicas, perfeitamente adaptado ao habitat local.
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Nativo do Sudeste Asiático, o molusco está presente no Brasil desde a década de 1990 e acredita-se que chegou aqui em embarcações de comércio. Desde então, é uma praga em praias brasileiras e aparentemente tem acelerado sua dominação ao se adaptar aos rios amazônicos, de acordo com uma pesquisa divulgada em setembro na Acta Limnologica Brasiliensia.
“Essa espécie leva a severos impactos socioeconômicos e ambientais. Os modelos matemáticos indicavam a invasão dela na bacia amazônica apenas a partir da década de 2030, com consolidação na década de 2050. O fato de já termos encontrado a espécie no rio Tocantins em 2023 destaca um potencial de proliferação muito mais acelerado do que se imaginava”, afirma o engenheiro de pesca Rafael Anaisce das Chagas, da Universidade Federal do Pará e autor principal do artigo, em entrevista à Agência Bori.
Invasão consolidada na Amazônia
A pesquisa concentrou análises no Pedral do Lourenço, formação rochosa situada entre os municípios de Marabá e Tucuruí, no Pará. Os cientistas coletaram moluscos aderidos às superfícies rochosas. Os espécimes analisados apresentaram comprimento médio de 12 milímetros e uma concentração populacional de 11.940 indivíduos por metro quadrado.
Em alguns pontos, o número chegou a 15.849 indivíduos por m². O levantamento anterior, de 2023, indicava densidade média de 88 indivíduos por metro quadrado.
O estudo destaca que esses resultados representam dados preliminares, porém reveladores. A estrutura populacional observada indica assentamento recente, mas já bem-sucedido e ao menos com sua segunda geração em curso. A espécie possui alta capacidade reprodutiva e fixação eficiente. O monitoramento de áreas mais amplas do rio Tocantins, portanto, tornou-se urgente para os pesquisadores.
“A densidade populacional média indica que a espécie já se adaptou ao ambiente local e possivelmente já reproduziu ao menos uma vez, considerando que encontramos indivíduos entre 2 e 22 milímetros”, diz Chagas.
Mexilhão-dourado tem origem no sudeste asiático e se espalhou pelo mundo, avançando agora pela Amazônia
Impactos ambientais e econômicos do invasor
Os efeitos ambientais do mexilhão-dourado são amplamente conhecidos na ciência. O molusco libera grande volume de pseudofezes, modificando o ambiente e alterando a qualidade do habitat aquático. A presença do molusco também reduz organismos bentônicos (seres microscópicos que servem de alimento). A competição por comida, portanto, compromete a biodiversidade local.
“A presença do mexilhão-dourado ainda gera diversos impactos socioeconômicos na Amazônia. Já temos relatos de pescadores que perderam redes, de piscicultores que registraram prejuízos devido ao acúmulo do molusco em estruturas de tanques e de obstrução de tubulações por excesso de indivíduos em compartimentos hidráulicos, aumentando custos de manutenção”, relata Chagas.
A erradicação do mexilhão-dourado em ambientes naturais é considerada inviável. Especialistas apontam que o controle é feito muitas vezes com a retirada física ou com uso de produtos químicos. “Apesar de não ser possível eliminar a espécie do ambiente, é viável controlar impactos em sistemas construídos com manejo adequado”, conclui o pesquisador.






