Estudo observa alterações genéticas em ursos-polares expostos ao calor

O derretimento acelerado do gelo marinho, um dos efeitos mais visíveis das mudanças climáticas, começa a deixar marcas também no nível genético dos ursos-polares. Um estudo publicado em 12 dezembro na revista Mobile DNA identificou alterações no DNA de uma população que vive no sul da Groenlândia, região mais quente do Ártico, sugerindo que esses animais estão respondendo biologicamente ao aumento das temperaturas.

A pesquisa analisou o material genético de 17 ursos-polares adultos, sendo 12 do nordeste da Groenlândia, onde o clima é mais frio e estável, e cinco do sudeste, área que tem registrado temperaturas mais elevadas e menor cobertura de gelo. Ao comparar os dois grupos, os cientistas observaram uma atividade maior dos chamados “genes saltadores” nos ursos da região mais quente.

Esses fragmentos de DNA, também conhecidos como transposons, têm a capacidade de se mover dentro do genoma e influenciar a ativação ou o silenciamento de outros genes. Segundo os autores, o aumento dessa atividade estaria associado ao estresse térmico provocado pelo aquecimento global.

Indício de resposta biológica, não prova de adaptação

Para a bióloga Morgana Bruno, coordenadora do curso de Ciências Biológicas da Universidade Católica de Brasília (UCB), detectar esse tipo de alteração genética indica que os ursos estão reagindo ao ambiente, mas isso não significa, necessariamente, que estejam se adaptando de forma evolutiva.

“Na prática, isso é visto como um indício dos estágios iniciais de adaptação biológica. O DNA muda naturalmente ao longo de eras, mas o estresse ambiental causado pelo aumento da temperatura global está acelerando esse processo de reescrita genética”, afirma.

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Ela explica que os pesquisadores identificaram uma maior frequência de variantes genéticas ligadas ao metabolismo, ao estresse térmico, ao uso de gordura e até ao comportamento em animais expostos a ambientes mais quentes. Ainda assim, o achado exige cautela.

“Para ser considerada adaptação evolutiva, é preciso demonstrar que essa mudança aumenta a sobrevivência ou a reprodução e que essa vantagem é herdada ao longo das gerações. O estudo mostra indícios, não uma prova definitiva”, diz.

Estresse ambiental pode acelerar alterações no DNA

A interpretação de que essas mudanças podem estar mais ligadas ao estresse do que a um benefício adaptativo também aparece na análise de outros pesquisadores. O professor Carlos Frederico Martins Menck, do departamento de microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e membro da Academia Brasileira de Ciências, destaca que situações de estresse ambiental costumam aumentar a atividade de elementos móveis no DNA, o que nem sempre é positivo para o organismo.

Segundo ele, o aumento da temperatura no sul da Groenlândia pode estar desencadeando uma resposta celular que resulta em maior transposição genética.

“Isso pode ser simplesmente um efeito do estresse provocado pelo calor. Em geral, esse tipo de resposta não é bom para a célula nem para o organismo como um todo”, avalia.

Mudanças rápidas demais para grandes mamíferos

Mesmo que essas alterações genéticas indiquem alguma capacidade de resposta ao estresse, especialistas alertam que a velocidade do aquecimento global representa um desafio enorme para espécies como o urso-polar, que têm ciclo reprodutivo lento e dependem fortemente do gelo marinho para caçar.

“Na maioria dos casos, essas mudanças indicam uma resposta limitada ao estresse, não uma garantia de sobrevivência”, afirma Morgana. Ela lembra que o próprio estudo descreve o fenômeno como um mecanismo de sobrevivência desesperado. “Pode oferecer um vislumbre de esperança, mas não muda o cenário geral de risco”, diz.

Para o pesquisador Ivan Ezhov, do Zoológico de Kazan, na Rússia, mesmo respostas biológicas desse tipo têm limites diante da velocidade do aquecimento global. Segundo ele, os ecossistemas funcionam de forma interligada, e alterações em uma única espécie tendem a desencadear efeitos em cadeia. “Se uma espécie desaparece, outra ocupa o seu lugar, o que inevitavelmente afeta o equilíbrio do ecossistema e da região como um todo”, aponta.

Projeções apontam que, se as emissões de carbono não forem reduzidas, cerca de dois terços da população global de ursos-polares pode desaparecer até 2050, com risco de extinção funcional até o fim do século.

Impacto para a conservação da espécie

Os achados ajudam a orientar estratégias de conservação ao indicar quais populações estão mais vulneráveis às mudanças climáticas. Segundo Morgana, estudos genéticos permitem mapear grupos com menor diversidade genética e maior dependência do gelo marinho, que precisam de atenção prioritária.

“Essas informações ajudam a definir onde concentrar esforços de proteção, preservar áreas com maior variabilidade genética e garantir rotas de migração e acesso a alimento”, diz. Ainda assim, ela reforça que nenhuma resposta biológica isolada será suficiente sem ações globais para conter o aquecimento do planeta.