DNA de ovelha revela como a peste se espalhou na Idade do Bronze

Um estudo publicado em outubro na revista Cell identificou, pela primeira vez, o DNA da bactéria causadora da peste em um animal domesticado da Idade do Bronze.

A descoberta, feita a partir dos restos de uma ovelha que viveu há cerca de 4 mil anos, ajuda a explicar como uma forma antiga da doença conseguiu se espalhar por vastas regiões da Eurásia muito antes das grandes pandemias históricas.

A pesquisa analisou o material genético preservado em um dente de ovelha encontrado em um sítio arqueológico nos Montes Urais Meridionais, na atual Rússia.

Os cientistas conseguiram reconstruir o genoma da bactéria Yersinia pestis presente no animal — a mesma espécie responsável pela Peste Negra séculos depois — e mostraram que ela era praticamente idêntica à encontrada em restos humanos da mesma época.

Até agora, a bactéria dessa fase antiga da peste havia sido detectada apenas em esqueletos humanos. Encontrá-la em um animal doméstico muda a forma como os pesquisadores entendem a disseminação da doença no passado.

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O que torna essa peste diferente das pandemias conhecidas

A linhagem identificada no estudo pertence ao período conhecido como Neolítico Tardio e Idade do Bronze. Diferentemente das formas mais recentes da peste, ela não possuía os genes necessários para ser transmitida por pulgas, que vivem em roedores e foram fundamentais para a rápida propagação da doença na Idade Média.

Essa ausência sempre intrigou os cientistas: se a bactéria não usava pulgas como vetor, como conseguiu se espalhar por milhares de quilômetros e infectar comunidades humanas durante séculos? A resposta proposta pelo estudo está na relação próxima entre humanos e seus animais domésticos.

O papel das ovelhas e dos rebanhos

Os restos da ovelha analisada pertencem a populações pastoris que viviam do manejo de rebanhos, como ovelhas, bois e cavalos, e se deslocavam constantemente em busca de pastagens.

Esse modo de vida colocava humanos e animais domésticos em contato frequente com animais selvagens, que podem ter funcionado como reservatórios naturais da bactéria. Segundo os autores, as ovelhas não eram necessariamente a origem da peste, mas podiam atuar como um elo entre o ambiente silvestre e as comunidades humanas.

Ao circular com os rebanhos por longas distâncias, essas populações aumentavam as oportunidades de exposição à bactéria, permitindo que humanos e animais fossem infectados repetidamente.

O estudo destaca que o DNA encontrado na ovelha é geneticamente muito próximo ao identificado em humanos da mesma região e período, o que indica que ambos estavam inseridos no mesmo ciclo de infecção.

A identificação da bactéria da peste em um animal domesticado antigo reforça a ideia de que doenças humanas podem ter se espalhado graças a mudanças no modo de vida, como a domesticação de animais e a mobilidade das populações.

Além de ajudar a reconstruir a história da peste, a pesquisa amplia a compreensão sobre doenças zoonóticas — aquelas que passam de animais para humanos — e mostra que esse tipo de interação já moldava a saúde das populações milhares de anos antes da medicina moderna.