NASA: cortes de orçamento colocam em cheque missão europeia para Marte

Os recentes cortes orçamentários promovidos pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na NASA, ameaçam uma missão europeia: o rover Exo Mars, da Agência Espacial Europeia (ESA, da sigla em inglês).

Isso acontece, pois a agência espacial estadunidense estava acertada para fornecer certas tecnologias inexistentes da Europa e que são cruciais para o sucesso da missão.

ESA, rover marciano e ligação com a NASA

A misão ExoMars começou a ser planejada há bastante tempo — em 2003, quando a NASA aceitou ser parceira do projeto, com vistas a lançar o rover em 2011;

Mas, desde então, a parceria foi conturbada e, em 2012, a agência estadunidense desistiu da ExoMars após o ex-presidente dos EUA Barack Obama retirar o financiamento para o rover;

Por sua vez, a Roscosmos, agência espacial russa, entrou no lugar da NASA e prometeu fornecer, à missão, um foguete para levá-la a Marte, um módulo de pouso e outros equipamentos;

Vários atrasos aconteceram até que o lançamento estava marcado para setembro de 2022, mas a invasão da Ucrânia pela Rússia decretou o fim da parceria entre ESA e Roscosmos;

No ano passado, a NASA voltou atrás e se ofereceu para fornecer as tecnologias e levar a missão ao planeta vermelho até 2028;

Só que, com os cortes promovidos pelo governo Trump, a ESA, no fim das contas, deverá levar a cabo seu projeto por conta própria e com ainda mais atrasos.

Ilustração do rover Rosalind Franklin planejado na superfície de Marte (Imagem: ESA)

A agência espacial estadunidense prometeu fornecer um lançador, um sistema de propulsão que desaceleraria o módulo de pouso na descida, e aquecedores de radioisótopos, para manter o rover aquecido na noite marciana.

E a Europa deverá mandar a missão por conta própria para Marte, pois, por enquanto, não há substitutos totalmente desenvolvidos para nenhuma das tecnologias que seriam fornecidas pela NASA, sendo que isso só deve acontecer após a janela de lançamento de 2028.

O Space.com tentou contato com a ESA, que não quis comentar o assunto, mas fontes próximas da agência espacial afirmaram ao portal que, apesar de haver capacidades técnicas para substituição dos elementos ausentes na Europa, o “relógio de lançamento está correndo”, sendo provável um atraso para o lançamento até 2030.

Isso pode acabar gerando complicações adicionais, já que partes da missão poderão ter que mudar, já que o alinhamento entre Terra e o planeta vermelho, que ocorre a cada dois anos, nem sempre ocorre à mesma distância.

“Se houver um atraso que signifique perder a janela de lançamento de 2028, uma preocupação é que a aproximação e os requisitos de entrada, descida e pouso para um lançamento de 2031 e seu local de pouso selecionado serão diferentes. Então, um atraso em cerca de 26 meses pode não resolver imediatamente os problemas da missão”, afirmou uma das fontes.

Detalhes do rover ExoMars

O rover ExoMars, batizado de Rosalind Franklin em homenagem ao químico britânico que estudou a estrutura do DNA, tem proposição científica única.

Ele possui uma broca de dois metros, capaz de acessar camadas de solo marciano mais profundas do que a coleção de amostras obtidas pelo rover Perseverance, da NASA.

Marte tem atmosfera fina, o que faz com que sua superfície seja atingida de forma constante pela radiação do Sol, o que, possivelmente, teria destruído organismos vivos há bastante tempo. Isso significa que, caso Marte já teve vida, ela (ou seus vestígios) teriam mais chance de sobrevivência na camada mais profunda do solo do planeta.

Montanha-russa

“Rosalind Franklin tem sido uma montanha-russa o tempo todo desde 2003 e ainda é uma montanha-russa no momento”, disse Andrew Coates, professor de física da University College London, ao Space.com.

Coates é o líder da equipe que projetou e construiu a câmera panorâmica estereoscópica multi-espectro que vai na parte de cima do mastro do Rosalind Franklin. Ela deve auxiliar o rover a determinar os melhores lugares para perfurar o solo e buscar por resquícios de vida.

O equipamento já está pronto desde a janela de lançamento de 2018 e, agora, está em uma sala da empresa Thales Alenia Space, em Turim (Itália) ao lado do rover, onde aguarda o fim do imbróglio e dos atrasos para, enfim, poder viajar à Marte e trabalhar no que foi projetado.

Leia mais:

Marte: 8 curiosidades sobre o planeta vital para exploração espacial

Saiba como explorar Marte através da plataforma Google Mars

Missão da NASA que desviou asteroide teve participação de brasileiro

Foguete Ariane 6 da ESA em uma plataforma de lançamento da ESA em Kourou (Guiana Francesa) (Imagem: ESA)

“Alguns” milhões de dólares

Caso a NASA saia da missão — algo que pode não acontecer, pois o Congresso pode ser contrário às decisões orçamentárias de Trump —, a ESA poderá ter que arrecadar centenas de milhões de dólares para desenvolver as tecnologias faltantes e levar a ExoMars rumo ao seu destino.

Em novembro de 2022, o conselho de Estados-membros da ESA alocou 360 milhões de euros (R$ 2,31 bilhões, na conversão direta) para a missão marciana. No início de 2025, 150 milhões de euros (R$ 966,49 milhões) da parcela reservada foram alocados para a Airbus, que usará o dinheiro para construção de plataforma de pouso.

Hoje, não há foguetes, na Europa, que consigam enviar uma espaçonave para Marte, apesar de que duas fontes familiares com o assunto terem dito ao Space.com que a versão mais poderosa do Ariane 6, da ESA, poderia dar conta do recado.

Para tanto, talvez seja necessário alguns ajustes para que a carga útil possa ser acomodada adequadamente. Até hoje, o Ariane 6 foi lançado duas vezes, ambas em configuração mais “branda”. O foguete é operado pela Arianespace, que não respondeu a questionamentos do Space.com.

Mas uma fonte disse ao portal que, apesar de a ESA ter começado a estudar o desenvolvimento de retrofoguetes e unidades de aquecedores de radioisótopos, nenhum desses projetos está caminhando a passos largos para produção de hardware pronto para voos na escala de tempo necessária.

Na comunidade científica europeia, muitos aguardam que o Congresso estadunidense frustre os planos de cortes orçamentários de Trump, permitindo que a NASA continue parceira do projeto. “Ainda acredito que estaremos perfurando em Marte antes de me aposentar, e eu não tenho mais 25″, falou outra pessoa familiarizada com o tema.

Por sua vez, Coates informou que o investimento da NASA na ExoMars é “muito pequeno em comparação com o retorno científico” que ela promete retornar e que ela possui valor indiscutível, mesmo se a tecnologia empregada ficar meio desatualizada.

Nenhuma outra agência está realmente pensando em fazer isso“, seguiu Coates, acrescentando que a ExoMars “ainda pode fazer a descoberta mais importante de todos os tempos”.

Ilustração artística do pouso da missão ExoMars em Marte (Imagem: Airbus)

Reunião em vista

Enquanto a agência europeia aguarda, ansiosa, a decisão final do Congresso estadunidense, que deve discutir o orçamento proposto por Trump durante meses, representantes de países-membros da ESA se reunirão em Bremen (Alemanha), em novembro, e a ExoMars deverá ser pauta bastante discutida.

E o rover? Está “mofando” ou está recebendo atenção?

Apesar de estar guardado em uma sala da Thales Alenia Space, ele recebe verificações periódicas, enquanto seu modelo de engenharia é levado para “passear” regularmente.

O rover da ExoMars é o primeiro que a Europa tenta enviar à Marte. Duas tentativas anteriores de pouso suave em solo marciano falharam, ambas sem participação direta do Rosalind.

Em 2016, o módulo experimental Schiaparelli, que testaria o sistema de descida e pouso do rover, caiu após falha em seu sensor de movimento.

Um ano antes, o lander britânico Beagle 2 foi perdido logo ao pousar, mas ele foi flagrado por imagens de satélites. Essas fotografias revelaram que um dos painéis solares do módulo de aterrissagem não foi implementado, o que fez com que a antena de comunicação do aparelho ficasse incapaz de enviar e receber de sinais.

Orçamento apertado da NASA afeta mais missões europeias

Ao todo, são 19 as missões da ESA que poderão ser “sufocadas” caso a proposta orçamentária trumpista passe no Congresso. Entre eles, os mais atingidos seriam os que estão em estágios iniciais, como o detector de ondas gravitacionais Antena Espacial do Interferômetro a Laser (LISA, na sigla em inglês), o orbitador de Vênus EnVision e o telescópio espacial NewAthena X-ray.

O post NASA: cortes de orçamento colocam em cheque missão europeia para Marte apareceu primeiro em Olhar Digital.