O hábito de assistir vídeos em velocidade aumentada, comum entre usuários de plataformas online, pode comprometer a retenção de informações e sobrecarregar o cérebro. A prática, especialmente popular entre jovens, tem sido utilizada como forma de ganhar tempo e aumentar o consumo de conteúdo, inclusive no ambiente acadêmico. No entanto, os efeitos dessa escolha sobre a memória e o aprendizado começam a ser mais bem compreendidos pela ciência.
Segundo Marcus Pearce, professor de Ciência Cognitiva na Queen Mary University of London, assistir conteúdos em alta velocidade pode ter consequências significativas para o cérebro. Em artigo publicado no The Conversation, Pearce detalha como o processamento de informações faladas envolve fases complexas, que podem ser prejudicadas quando o conteúdo é consumido rapidamente.
Capacidade limitada da memória de trabalho
De acordo com Pearce, quando escutamos uma fala, o cérebro precisa de tempo para codificar, armazenar e recuperar as informações.
Esse processo começa com a extração das palavras e do seu significado em tempo real.
A fala comum ocorre a cerca de 150 palavras por minuto, mas o cérebro ainda consegue acompanhar discursos acelerados para até 450 palavras por minuto, embora com possíveis perdas de qualidade na memorização.
“Como nossa memória de trabalho tem capacidade limitada, se muitas informações chegarem muito rapidamente, ela pode ser sobrecarregada. Isso leva à sobrecarga cognitiva e à perda de informações”, explica o professor.
Esse sistema temporário permite organizar e transformar informações antes de transferi-las para a memória de longo prazo.
Quando os dados chegam rápido demais, o sistema é sobrecarregado, gerando o que ele chama de sobrecarga cognitiva — e, consequentemente, perda de conteúdo.
Efeitos na retenção de conteúdo
Uma meta-análise recente, citada por Pearce, analisou 24 estudos sobre aprendizado a partir de vídeos. Em geral, os testes compararam grupos que assistiram a vídeos na velocidade normal (1x) com outros que viram o mesmo material em velocidades maiores (1.25x, 1.5x, 2x e 2.5x). Todos os participantes foram avaliados com testes de múltipla escolha ou perguntas de memorização após a exibição.
Os resultados mostraram que aumentar a velocidade de reprodução impacta negativamente o desempenho nos testes. Até 1.5x, a queda foi pequena. Acima disso, os prejuízos aumentaram de forma significativa.
“Para colocar isso em contexto, se a pontuação média de um grupo de estudantes fosse de 75%, com uma variação típica de 20 pontos percentuais para mais ou para menos, então aumentar a velocidade de reprodução para 1,5x reduziria o resultado médio em 2 pontos percentuais. E aumentar para 2,5x levaria a uma perda média de 17 pontos percentuais”, aponta o pesquisador.
Idosos sentem mais os efeitos
Um dos estudos da meta-análise também observou o impacto da velocidade em adultos mais velhos (entre 61 e 94 anos). O grupo apresentou reduções maiores no desempenho do que os jovens (18 a 36 anos), o que pode estar ligado ao declínio natural da capacidade de memória, mesmo em pessoas saudáveis. Pearce sugere que, nesse caso, seja preferível manter velocidades normais ou até mais lentas para compensar a dificuldade.
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Questões ainda sem resposta
Apesar dos dados, muitas perguntas permanecem abertas, segundo Pearce. Ainda não está claro se a prática constante de assistir vídeos acelerados pode reduzir seus efeitos negativos, especialmente entre jovens, que talvez estejam mais acostumados a essa forma de consumo.
Também falta evidência científica sobre possíveis efeitos de longo prazo no funcionamento cerebral. “Em teoria, esses efeitos poderiam ser positivos, como uma melhor capacidade de lidar com a carga cognitiva aumentada. Ou poderiam ser negativos, como maior fadiga mental resultante dessa carga cognitiva aumentada, mas atualmente não temos evidências científicas para responder a essa questão”, afirma.
Outro ponto levantado por Pearce é o impacto na experiência subjetiva. Mesmo quando a retenção de conteúdo não é afetada, vídeos acelerados costumam ser considerados menos agradáveis, o que pode prejudicar a motivação para estudar.
“A reprodução acelerada se tornou popular, então talvez, quando as pessoas se acostumarem com isso, tudo bem — com sorte, vamos entender melhor esses processos nos próximos anos”, concluiu.
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