Startup de chuva artificial vira alvo após enchentes no Texas

A startup norte-americana Rainmaker, especializada em semeadura de nuvens, tornou-se centro de uma intensa onda de teorias da conspiração nas redes sociais após as devastadoras enchentes que atingiram o Texas, nos Estados Unidos. A tragédia, que deixou mais de 100 mortos e dezenas de desaparecidos, coincidiu com uma operação de modificação climática realizada dias antes na região, alimentando especulações sobre uma possível relação entre os eventos.

À reportagem do Washington Post, o fundador da empresa, Augustus Doricko, relata ter enfrentado uma avalanche de acusações online, impulsionadas por figuras públicas, influenciadores e políticos. Entre os nomes estão a deputada Marjorie Taylor Greene e o ex-assessor de Donald Trump, Michael Flynn, que sugeriram publicamente que a tecnologia da startup pode ter contribuído para o desastre climático.

Inundações causaram prejuízos materiais e de vidas no Texas, nos Estados Unidos (Imagem: Karim Shuaib II / Shutterstock.com)

Como funciona a semeadura de nuvens

A técnica conhecida como cloud seeding, ou semeadura de nuvens, consiste em dispersar partículas — geralmente iodeto de prata — nas nuvens para estimular a formação de chuva.

É usada principalmente em regiões com longos períodos de seca, como partes do oeste dos EUA, e ainda tem efeitos limitados e localizados, segundo cientistas atmosféricos.

Doricko afirma que, em 2 de julho, sua empresa realizou uma operação contratada pela South Texas Weather Modification Association, liberando cerca de 70 gramas de iodeto de prata sobre a cidade de Runge, a mais de 160 quilômetros da área mais afetada pelas chuvas.

A missão durou cerca de 20 minutos e resultou em uma leve garoa, insuficiente para qualquer impacto duradouro.

No dia seguinte, ao detectar uma frente de tempestade, a empresa suspendeu novas atividades na região.

Especialistas como Bob Rauber, professor emérito de ciências atmosféricas da Universidade de Illinois, afirmaram que não há como operações desse tipo causarem tempestades de grande escala.

“A quantidade de energia necessária para formar uma tempestade como aquela é astronômica”, disse Rauber ao Washington Post.

O iodeto de prata é geralmente utilizado para realizar a semeadura de nuvens (Imagem: luchschenF / Shutterstock.com)

O papel das redes sociais na propagação das teorias

Apesar das evidências científicas, teorias conspiratórias se espalharam rapidamente nas plataformas digitais. Postagens no X (antigo Twitter) exigiram “responsabilização” da startup e compartilharam documentos sobre sua licença para realizar modificações climáticas no Texas. Um dos vídeos mais disseminados mostrou uma entrevista de Doricko intercalada com imagens da destruição, acompanhadas por trilha sonora dramática.

A deputada Marjorie Taylor Greene chegou a anunciar um projeto de lei para tornar a tentativa de alterar o clima um crime federal. A postagem teve mais de 18 milhões de visualizações.

Doricko, por sua vez, participou de conversas ao vivo para esclarecer a atuação da empresa e rebateu tentativas de exposição indevida, como postagens que divulgaram o endereço de sua sede, posteriormente removidas pela rede.

Controvérsias antigas e investimentos crescentes

Embora a semeadura de nuvens remonte a experimentos militares nos anos 1940, o interesse pela técnica tem crescido nos últimos anos em função das mudanças climáticas e da escassez de água. Países como China, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos já investiram milhões em programas de modificação do clima. Nos EUA, estados como Utah mantêm orçamentos anuais dedicados à prática.

A chuva artificial é popular em regiões em que a chuva é algo escasso (Imagem: EyeEm Mobile GmbH / iStock)

Apesar disso, a eficácia ainda é limitada e objeto de debate. Um experimento realizado em Idaho em 2017 conseguiu medir um aumento mínimo de precipitação com uso de radar de alta precisão — o equivalente a frações de milímetro de neve em um único evento. Ao longo de um inverno inteiro, esses pequenos acréscimos podem representar bilhões de galões extras nos reservatórios.

A falta de confiança pública, no entanto, também é alimentada por históricos controversos. Um dos episódios mais notórios ocorreu em 1947, quando o Exército dos EUA tentou manipular um furacão com gelo seco, o que acabou coincidindo com uma mudança de rota da tempestade, resultando em mortes e prejuízos materiais. Embora os cientistas considerem o desfecho uma coincidência, o caso gerou forte reação pública.

Desinformação e desconfiança como pano de fundo

Para pesquisadores como Holly Buck, da Universidade de Buffalo, a busca por culpados após desastres naturais encontra terreno fértil em contextos de incerteza. “Teorias como essas se conectam a subculturas online que já acreditam em conspirações envolvendo trilhas químicas e vacinas”, afirmou ao Washington Post.

A Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) se pronunciou na última quinta-feira, reconhecendo as preocupações da população e publicando uma página com informações sobre geoengenharia e trilhas de condensação. “Os americanos têm dúvidas legítimas e merecem respostas claras”, declarou o administrador da agência, Lee Zeldin.

Mesmo com a polêmica recente, Doricko revelou que sua empresa, que já levantou US$ 31 milhões em capital de risco e conta com 58 funcionários, segue recebendo consultas de possíveis clientes. Para ele, o caminho está na transparência, regulação e supervisão pública. “Se for algo natural, é mais difícil de aceitar. Mas culpar alguém dá a falsa sensação de controle sobre a tragédia”, afirmou.

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