Muitas pessoas ainda enxergam as plantas como seres estáticos e silenciosos, quase como se não fossem coisas vivas. A ciência, porém, tem demonstrado que elas são capazes de perceber o mundo ao redor de maneiras surpreendentes e com “sentidos” que vão além do que costumamos pensar.
Entre os estímulos que as plantas são capazes de detectar estão a luz, o toque e até a gravidade, segundo teóricos como o italiano Stefano Mancuso. Em seu livro mais recente, Nação das Plantas, o neurobiólogo chega a afirmar que elas possuem mais de 20 formas diferentes de perceber o mundo.
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Embora as plantas não possuam sistema nervoso como os animais, elas possuem uma rede complexa de sinais bioquímicos que funcionam como um sistema de comunicação interna e externa. Estes sensores criam rotas de sinalização tão complexas que algumas espécies até emitem sinais para alertar outras em situação de perigo, como envenenamentos químicos.
O biólogo Marcelo Campos, professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e pesquisador apoiado pelo Instituto Serapilheira, explica que essa percepção sofisticada não é novidade, mas tem se tornado mais popular recentemente.
“A ciência vem revelando que as plantas estão longe de serem passivas, possuindo uma ampla capacidade de perceber muitos sinais do ambiente ao seu redor. Curiosamente, é justamente o fato da ausência de movimento nos vegetais que torna os seus mecanismos de percepção do ambiente mais sofisticados do que muitos animais. Por exemplo, em uma condição estressante, a resposta da maioria dos animais é simplesmente fugir para longe do perigo. As plantas precisam interpretar esse sinal e alterar o seu desenvolvimento para lidar com ele e sobreviver”, resume ele.
As 20 percepções das plantas segundo Stefano Mancuso
Gravidade
Luz
Toque
Som
Temperatura
Água
Substâncias químicas, como nutrientes e toxinas
Presença de outras plantas
Propriocepção, sabem onde estão seus próprios órgãos
Campo elétrico
Campo magnético
Feromônios de insetos
Feromônios de outras plantas
Ataques de predadores
Sombra de outras plantas
Presença de microrganismos benéficos
Nível de dióxido de carbono (CO₂)
Nível de oxigênio
Variação de pressão atmosférica
Ciclos temporais, como dia, noite e estações
Luz, som e gravidade: os estímulos captados
A sensibilidade à luz é um dos exemplos mais conhecidos. As plantas não enxergam imagens, mas usam fotorreceptores para captar padrões luminosos. Isso permite saber a hora do dia e o momento ideal para florescer.
Marie-Anne Van Sluys, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), destaca que essa percepção é fundamental para a sobrevivência dos vegetais. “As plantas captam energia luminosa e a convertem em alimento. Esse processo gera oxigênio e sustenta todos os ecossistemas”, afirma.
“As plantas são capazes de perceber o ambiente ao seu redor e elas não são nada passivas, elas percebem o ambiente de modo muito ativo tanto nas raízes (em comunicação com os outros organismos que vivem no solo), quanto na parte aérea. Sejam flores, caules ou folhas, elas respondem, na verdade, a toda e qualquer variação no ambiente”, completa Marie-Anne.
As plantas também respondem à gravidade. Suas raízes crescem para baixo e os caules para cima. Isso ocorre graças a organelas chamadas amiloplastos, que se movimentam no interior das células e sinalizam a direção do campo gravitacional para decidir para onde seguir.
Dormideira é sensível ao toque e fecha suas folhas ao detectar ameaças
Toques e cheiros: informações do ambiente
O toque também ativa reações. A mais conhecida é a da dormideira (Mimosa pudica), por exemplo, que fecha suas folhas rapidamente ao menor contato. Plantas carnívoras também são capazes de sentir o toque de potenciais presas atrávés de minúsculos receptores em sua superfície. Mas mesmo sem reações visíveis, a maioria das espécies interpreta o toque como ameaça. “Esse estímulo ativa respostas de defesa e inibe o crescimento”, explica Campos.
As plantas também são capazes de identificar a presença de outros vegetais ou de insetos. Em caso de ataque por herbívoros, algumas plantas liberam substâncias que alertam as vizinhas. Essas, por sua vez, preparam defesas antes mesmo de serem atacadas.
Campos compara esse processo aos feromônios animais. “São sinais químicos para comunicação que não são uma conversa, mas passam mensagens”, indica. As plantas atacadas podem ainda liberar compostos capazes de atrair inimigos naturais dos insetos ou animais que a atacaram, liberando seivas atrativas para chamar reforços. “É uma forma de defesa indireta. O inimigo do inimigo vira aliado”, resume o pesquisador.
Essas trocas ocorrem por meio dos vasos condutores e de sinais elétricos. Quando uma parte da planta é ferida, impulsos se propagam rapidamente, alertando outras regiões. Isso permite respostas coordenadas mesmo em organismos sem neurônios.
Sons e vibrações das outras plantas
Mesmo sem ouvidos, plantas reagem a sons. Elas percebem vibrações nas folhas e alteram seu comportamento. Estudos mostram que certos barulhos, como o da água ou o zumbido de polinizadores, estimulam o crescimento. Outros podem ser interpretados como ameaça.
Campos chama o fenômeno de “mecanopercepção sonora”. Ao ouvir determinadas frequências, algumas plantas crescem em direção ao estímulo. Mas há também respostas defensivas, semelhantes às provocadas por toques. “As vibrações podem levá-las a entender que estão sendo atacadas por insetos. Portanto, além de evitar tocar demais nas suas plantas, talvez seja prudente não cantar ou conversar com elas”, brinca.
As plantas sentem como nós?
Van Sluys, porém, discorda da ideia de tentar considerar que os sentidos de animais possam ser comparados com os de plantas, como no caso de uma “audição vegetal”. Para ela, esses conceitos são específicos dos animais. “As plantas percebem o ambiente, mas não ouvem ou falam. Elas usam receptores e transmitem sinais internamente, sem um sistema nervoso. Por isso, o mais correto seria falarmos sobre percepções”.
“Precisamos ter cuidado com a fantasia”, alerta Campos. “Falar em sofrimento vegetal ou tristeza das plantas é enganoso. Elas reagem ao ambiente, mas não sentem como nós.” Van Sluys também reforça essa distinção. “Percepção não significa consciência.”
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