O chatbot já foi visto como um marco da transformação digital. Em um cenário onde escalar atendimento era uma necessidade urgente, a promessa de uma inteligência artificial capaz de interagir com humanos, 24 horas por dia, parecia revolucionária – e, de fato, foi. A interface conversacional automatizada se espalhou pelas empresas, saltando dos sites para os aplicativos de mensagens e se tornou onipresente em canais como WhatsApp, Messenger e webchats.
Mas com o tempo, o encantamento se dissipou. Usuários passaram a identificar rapidamente os limites desses sistemas. As respostas padronizadas, a falta de empatia, a incapacidade de lidar com situações complexas e a frustração de não conseguir resolver problemas reais fizeram com que muitos consumidores rejeitassem esse tipo de atendimento. A tecnologia, por si só, não deu conta da complexidade das interações.
Esse desgaste, no entanto, não é culpa da IA em si, mas da forma como ela foi implementada. A maior parte das empresas adotou soluções isoladas, centradas apenas na conversa e desconectadas de seus sistemas internos. Um chatbot pode até entender o pedido de um cliente, mas se não estiver integrado a um sistema de faturamento, CRM ou logística, ele se torna pouco mais que um recepcionista digital. Foi aí que o mercado começou a enxergar que responder não é o mesmo que resolver.
A evolução veio com a maturidade das tecnologias e, principalmente, com a convergência entre IA e RPA (Robotic Process Automation). Essa combinação está criando uma nova camada operacional nas empresas, onde a inteligência artificial interpreta intenções humanas e o RPA executa as ações necessárias em sistemas internos, tudo de forma automatizada e fluida.
De acordo com o Gartner, até 2026, 80% das grandes empresas terão adotado alguma forma de IA generativa e boa parte dessas implementações estará conectada a plataformas de automação. A consultoria ainda aponta que a chamada Hyperautomation, termo usado para descrever essa integração entre IA, RPA e outras tecnologias como Process Mining e Machine Learning, será uma das principais prioridades estratégicas de CIOs nos próximos anos.
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Mas o que isso muda, na prática?
Imagine a seguinte situação: um cliente envia uma mensagem via WhatsApp dizendo que seu pedido não foi entregue. A IA interpreta o conteúdo da mensagem, compreende a frustração, acessa o histórico do pedido, identifica que houve uma falha no envio e ativa automaticamente um robô de RPA para abrir uma reclamação no sistema logístico, emitir um novo pedido e enviar ao cliente uma confirmação com o novo prazo de entrega. Tudo isso sem que um humano precise intervir.
Esse é o tipo de automação que está reconfigurando o papel do atendimento, do backoffice e até mesmo da liderança operacional. Estamos saindo do campo da automação tática (como scripts ou formulários automáticos) e entrando na era da automação inteligente e estratégica. A IA não é mais uma ferramenta de suporte, é o cérebro da operação e o RPA, por sua vez, é o corpo que executa com precisão, escala e velocidade.
Segundo a McKinsey, empresas que combinam IA e RPA em seus processos centrais conseguem reduzir em até 40% seus custos operacionais e, ao mesmo tempo, aumentar em 20% a satisfação do cliente. Além disso, o tempo médio de resolução de problemas pode cair em mais de 60%, especialmente em processos repetitivos como emissão de boletos, reembolso, rastreio de pedidos, atualizações cadastrais e notificações proativas.
A combinação entre IA e RPA também está mudando profundamente o papel das equipes humanas. Tarefas repetitivas e burocráticas, aquelas que drenam energia e não exigem julgamento complexo estão sendo transferidas para robôs. Isso libera os colaboradores para se concentrarem em funções mais analíticas, criativas e estratégicas. Mas atenção: essa migração não é automática nem isenta de riscos. Sem uma governança bem estruturada, a automação pode criar gargalos invisíveis ou até mesmo reproduzir erros em escala, caso os dados de entrada estejam mal organizados ou as regras mal definidas.
A boa automação exige arquitetura e aqui está um dos principais desafios: muitas empresas ainda pensam a automação como um patch, não como uma infraestrutura. A maioria ainda opera com iniciativas pontuais, isoladas e sem visão sistêmica. O resultado é um emaranhado de bots, scripts e APIs que não se conversam, exatamente o oposto do que propõe a nova geração de automação inteligente.
Outro ponto negligenciado é a ética da automação. A IA, especialmente em ambientes de decisão, precisa seguir parâmetros claros de privacidade, imparcialidade e transparência. O mesmo vale para os robôs de RPA, que lidam com dados sensíveis e operam com autonomia em sistemas corporativos. A automação precisa ser segura, auditável e responsável. É por isso que crescem iniciativas de AI Governance e RPA Compliance, que visam garantir que o uso dessas tecnologias esteja alinhado com os princípios organizacionais e com a legislação.
O que está em jogo não é apenas eficiência, mas relevância empresarial em um mundo digitalmente saturado. À medida que os consumidores se tornam mais exigentes e os mercados mais competitivos, a capacidade de entregar experiências rápidas, personalizadas e resolutivas se torna diferencial. Nesse cenário, a empresa que ainda usa IA como chatbot e RPA como remendo está, sem saber, perdendo terreno.
É hora de mudar a pergunta. De “como eu atendo melhor meu cliente?” para “como eu reconfiguro minha operação para resolver antes mesmo que ele precise pedir?”. A resposta está nessa aliança estratégica entre inteligência artificial e automação robótica. Quando bem orquestradas, essas tecnologias não apenas atendem, mas transformam o modelo de negócio de dentro para fora.
A IA responde, o RPA resolve, mas é o pensamento sistêmico que conecta os dois.
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